A autenticidade do ossário recém-descoberto – EB

Revista: “PERGUNTE E RESPONDEREMOS”
D. Estevão Bettencourt, osb
Nº 490 – Ano 2003 – p. 161

Em síntese: Cresce o número de estudiosos que levantam suspeitas contra a autenticidade do ossário recém descoberto em Israel. As razões para duvidar são principalmente: a) o fato de que a inscrição do ossário está traçada com dois tipos diferentes de letras, que fazem pensar em duas mãos, das quais uma seria tardia e falsificadora; b) a origem do ossário comprado por um engenheiro israelense em um mercado de antiguidades após ter estado em poder de sequestradores. O debate está aberto entre os especialistas sob o patrocínio do Estado de Israel.

Em PR 487/2003, pp. 1-6 foi comentada a descoberta de um ossário na terra de Israel, portador da inscrição (assim traduzida pela imprensa): TIAGO, FILHO DE JOSÉ, IRMÃO DE JESUS. Muitos quiseram ver aí a confirmação da tese de que Jesus teve irmãos. A teologia católica fez então observar que a palavra aramaica traduzida por “irmão” é Ah, vocábulo que tem o significado de parente, familiar (não excluído o de irmão). Em consequência a descoberta de urna funerária não afeta a fé católica segundo a qual Jesus não teve irmãos.

Acontece, porém, que, com o passar do tempo, os estudiosos começam a levantar suspeitas sobre a autenticidade do ossário; e isto por duas razões: a) a inscrição parece ter sido redigida por duas mãos, que usaram tipos de letra diferentes; b) não se sabe claramente qual a origem remota do ossário; apenas se pode dizer que esteve em poder de saqueadores, que o venderam a um mercado de antigüidades.

Via internet a Redação de PR recebeu o artigo de John Noble Wilford publicado em The New York Times, que expõe a atitude dos pesquisadores neste setor. Abaixo vai transcrito o artigo em tradução portuguesa como chegou a PR.

Cresce a Desconfiança da autenticidade do ossário do “Irmão de Jesus”

John Noble Wilford

The New York Times

É cada vez maior o número de estudiosos que levantam dúvidas quanto à autenticidade da inscrição em uma caixa de ossos que presumidamente conteria os ossos de Tiago, um suposto irmão de Jesus. Este poderia ser o mais antigo vestígio arqueológico relacionado a Cristo.

Quando, há cinco semanas, foi anunciada a existência desta caixa de pedra calcária, ou ossário, um estudioso francês declarou que a inscrição – “Tiago, filho de José, irmão de Jesus” provavelmente era uma referência ao Jesus do Novo Testamento. A caligrafia, ele afirmou, correspondia ao estilo do aramaico do século I d.C.

Agora que diversos especialistas já analisaram fotografias da inscrição ou a observaram em um museu de Toronto, eles admitem, de modo geral, a antigüidade do ossário, mas alguns deles suspeitam que uma parcela de inscrição, senão toda ela, tenha sido falsificada. Diferenças visíveis de caligrafia, eles afirmam que a menção a Jesus pode  ter sido acrescentada por um falsificador de tempos antigos ou modernos.

“Tenho, para dizer o mínimo, uma sensação muito ruim a respeito disso”, afirmou Eric. M. Meyers, um arqueólogo e estudioso de questões judaicas na Universidade Duke, durante um recente encontro de pesquisadores bíblicos e arqueólogos em Toronto.

Meyers afirta ter “graves” dúvidas quanto à sua autenticidade”, sobretudo por conta do mistério que envolve a origem do ossário. Aparentemente ele teria sido encontrado por saqueadores em um sítio indeterminado e comprado em um mercado israelense de antiguidades. Arqueólogos profissionais não costumam confiar em artefatos de proveniência tão duvidosa.

Outras pessoas que examinaram o ossário no Museu Real de Ontário ficaram mais impressionadas por terem notado que a inscrição aparentemente foi feita por duas mãos diferentes. A primeira parte – sobre Tiago, filho de José teria sido escrita com tipos formais, enquanto a segunda, referente a Jesus, possui um estilo cursivo mais livre.

“A ocorrência de letras cursivas e formais em duas partes diferentes da inscrição aponta, segundo creio, ser ao menos possível que haja uma Segunda mão”, afirmou P. Kyle McCarter Jr., um especialista em línguas orientais da Universidade John Hopkins.

André Lemaire, o acadêmico francês e estudioso do aramaico que indicou que a Inscrição está vinculada a Jesus, defendeu com convicção sua interpretação durante um encontro da Sociedade de Literatura Bíblica que também ocorreu em Toronto. Pesquisador da Sorbonne e especialista respeitado em inscrições do período bíblico, ele publicou suas descobertas na mais recente edição da revista americana Biblical Archaelogy Review.

Lemaire novamente defendeu ser “muito provável” que a caixa de ossos tenha guardado os restos de Tiago, um dos primeiros líderes do movimento cristão em Jerusalém, e que a inscrição é uma referência a Jesus de Nazaré. Apenas muito raramente o nome de um irmão erainscrito em um ossário, ele afirma, e deste modo o Jesus mencionado deveria ser uma pessoa ilustre. Em uma entrevista Hershel Shanks, editor da revista que publicou o estudo de Lemaire, afirmou que havia ao menos duas razões que refutavam a tese da falsificação.

“Caso tenha sido o trabalho de um falsificador moderno, por algumas centenas de dólares ele teria adquirido um ossário sem inscrição alguma, e somente um falsificador pouco inteligente não começaria do zero para que sua escrita fosse consistente”, afirmou Shanks. “Além do mais devemos presumir que o falsificador soubesse como falsificar a pátina algo que os outros desconhecem. Tudo isso é possível, mas muitíssimo improvável”.

Em Israel, geólogos que examinaram o ossário avaliaram que sua pátina oxidação decorrente dos efeitos do tempo e do clima – seria consistente com a estimativa de que a caixa possui dois mil anos de idade. Eles afirmaram ainda que não foram detectados sinais de posteriores adulterações na inscrição. Josephus, um historiador judeu do século primeiro, atesta que Tiago foi executado em 62 d. C.

Shanks é um dos autores do livro “O irmão de Jesus”, que será publicado em março pela HarperSanFrancisco. Ali ele narra a descoberta e a interpretação do ossário de Tiago, e juntamente com seu parceiro Bern Witherington III, estudioso do Novo Testamento, discute as implicações da descoberta para a compreensão de Jesus.

Mas a controvérsia não deverá desaparecer tão cedo

O dono do ossário, cuja identidade não é revelada pelo artigo de Lemaire, veio a público. Ele é Oded Golan, um engenheiro de Tel Aviv e ávido colecionador de artefatos do período bíblico. Convocado para depor perante a Autoridade de Antigüidades de Israel, Golan afirmou ter adquirido o ossário há 35 anos, mas não se lembrava do vendedor, segundo informou recentemente o jornal israelense Há’aretz. Shanks afirmou que Golan não compreendera a possível importância do ossário até que Lemaire fosse visitá-lo no ano passado.

As autoridades israelenses afirmam que darão seqüência à investigação. O ossário será devolvido a Israel após o encerramento da exposição em Toronto, que se estende até o final do mês de janeiro. Outros pesquisadores entraram na discussão, e chamaram a atenção para possíveis indícios de falsificação.

Rochelle I. Altman, que coordena uma publicação virtual destinada a estudiosos de judaísmo antigo e se apresenta como uma especialista em inscrições, foi uma das primeiras a notar a aparente discrepância entre as caligrafias. “Há duas mãos que claramente possuem diferentes graus de instrução e duas caligrafias diferentes”, escreveu Altman. “A segunda parte da inscrição contém as marcas de uma edição posterior fraudulenta e é, para se dizer o mínimo, questionável”.

Daniel Eylon, um professor israelense de engenharia da Universidade de Dayton; examinou a questão a partir de sua experiência com investigações mal-sucedidas para a indústria aeroespacial. Aplicando uma técnica empregada para determinar se uma disfunção de uma determinada peça de aeronave ocorreu antes ou depois do acidente, ele examinou fotografias das inscrições em busca de arranhões causados pela fricção da caixa com outras caixas na caverna ou durante a escavação:

“A inscrição estaria localizada sob estes arranhões caso se encontrasse na caixa à época do enterro, mas a maior parte dela está acima dos arranhões”, afirmou Eylon. “E a nitidez de algumas letras não cai nada bem: cortes nítidos não resistem por dois mil anos”.

O debate está aberto. Não se trata de um artigo da fé católica, mas da identificação de uma peça arqueológica que interessa à mensagem do Evangelho.

Sobre Prof. Felipe Aquino

O Prof. Felipe Aquino é doutor em Engenharia Mecânica pela UNESP e mestre na mesma área pela UNIFEI. Foi diretor geral da FAENQUIL (atual EEL-USP) durante 20 anos e atualmente é Professor de História da Igreja do “Instituto de Teologia Bento XVI” da Diocese de Lorena e da Canção Nova. Cavaleiro da Ordem de São Gregório Magno, título concedido pelo Papa Bento XVI, em 06/02/2012. Foi casado durante 40 anos e é pai de cinco filhos. Na TV Canção Nova, apresenta o programa “Escola da Fé” e “Pergunte e Responderemos”, na Rádio apresenta o programa “No Coração da Igreja”. Nos finais de semana prega encontros de aprofundamento em todo o Brasil e no exterior. Escreveu 73 livros de formação católica pelas editoras Cléofas, Loyola e Canção Nova.
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